\ A VOZ PORTALEGRENSE: Henrique Barrilaro Ruas - Antologia

quinta-feira, outubro 26, 2006

Henrique Barrilaro Ruas - Antologia

CAPÍTULO II

JUVENTUDE
.
NA «FONTE DOS AMORES»
Em alegre bando, rapazes e raparigas vão pelos campos à beira do Mondego. Tinham passado a velha ponte de amplos arcos, em estilo românico, e agora visitavam, com o com o coração cheio de mistério, aquela «fresca fonte» em que as «lágrimas são a água e nome amores» (III 135). Fora ali, segundo a lenda antiga, que a «linda Inês» perdera a vida e os sonhos dela. Então, uma das raparigas, vendo uma flor muito bela na sua singeleza, não resistiu à tentação de a colher.
Muito mais tarde, o Poeta choraria a morte de Inês de Castro lembrando este episódio juvenil:

«Assim como a bonina que cortada
Antes do tempo foi, cândida e bela,
Sendo das mãos lascivas maltratada.
Da menina que a trouxe na capela,
O cheiro traz perdido e a cor murchada
Tal está, morta, a pálida, donzela
… … … … … … … … … … … …»
(III 134)

Quando os passeios se alongavam, Luís e os amigos encontravam espalhado pêlos prados, o formoso gado (69), guardado por um pastor e uma pastora que docemente cantavam ou conversavam. Muitas vezes se repetiu este encontro, e foi talvez assim, entre flores campestres e águas puras, que Camões descobriu o amor.

O PRIMEIRO AMOR
Sabe-se apenas que era ainda muito novo. Pela vida fora, ele há-de guardar a lembrança do primeiro amor, vivido como um sonho à luz clara do Sol:

«Este amor, que vos tenho, limpo e puro,
De pensamento vil nunca tocado,
Em minha tenra idade começado,
Tê-lo dentro nesta alma só procuro».
(138)

Desde esse dia, todas as coisas começaram a ser para ele um espelho ou um sinal da sua amada. Também ele conheceu o jogo inocente do malmequer:

E vós, douradas flores, por ventura
Se Inês quiser fazer, de meus amores,
Experiências na folha derradeira,
Mostrai-lhe, para ver minha fé pura,
O bem que sempre quis, formosas flores;
Que então não sentirei que mal me queira»
(CC)

Enquanto despertava para o amor, Luís ia percebendo a mudança das coisas, a fragilidade da vida. O que o Inverno trazia, o Estio levava, para que novo Inverno o arrebatasse. E Camões concluía, numa espécie de grito alegre:

«Só para meu amor é sempre Maio».
(138)

Da primeira vez que se afastou da namorada, provavelmente para ir visitar parentes em Lisboa ou Santarém, ela deixou-lhe a fita com que apertava as tranças, e logo o Poeta:

«Lindo e subtil trançado, que ficaste
Em penhor do remédio que mereço,
Se só contigo, vendo-te, endoideço,
Que fora com os cabelos que apertaste!
... ... ... ... ... ... ... … … … … … … …»
(18)

A UNIVERSIDADE
Tinha Camões doze ou treze anos quando D. João III resolveu restituir a Coimbra a velha Universidade que lá funcionara desde D. Afonso IV a D. João I. A alegria ruidosa dos estudantes, a ciência de mestres chamados de toda a parte, vieram juntar-se às antigas escolas dos frades crúzios e da Catedral, para fazer de Coimbra um dos centros mais ilustres do Renascimento europeu. Nada se sabe ao certo da passagem de Luís Vaz por essas escolas e pela própria Universidade; mas toda a gente está de acordo, o que é raro quando se trata de Camões, em que ele frequentou a escola de Santa Cruz e nela e na Universidade conseguiu aquela ciência variada e abundante, ao mesmo tempo profunda e pronta, que se vê brotar em cada página da sua obra.
Em lembrança da sua vida universitária, Camões há-de louvar D. Dinis, o grande fundador, por ter criado «o valoroso ofício de Minerva», em que eram coroados «do sempre verde louro» aqueles que consagravam a vida às letras.

«ENQUANTO HOUVER NO MUNDO SAUDADE…»
Chegou porém o dia em que foi forçoso deixar os «saudosos campos do Mondego» e a bela cidade debruçada sobre eles. Antes de partir, Luís despediu-se da sua bem amada, como há-de recordar no mais belo de todos os seus sonetos:

«Aquela, triste e leda madrugada,
Cheia toda de magoa e piedade,
Enquanto houver no Mundo saudade
Quero que seja sempre celebrada
… … … … … … … … … … …»
(46)
.
Henrique Barrilaro Ruas
in, Camões, pgs.22 a 26, Ministério da Educação Nacional, 1973