\ A VOZ PORTALEGRENSE: Um anti-nazi na Terra dos Arianos

quinta-feira, dezembro 21, 2006

Um anti-nazi na Terra dos Arianos

Persas do puzzle
Na última semana, se bem se lembram, estava eu - literalmente - à beira do pavilhão do Instituto de Estudos de Política Internacional (IPIS), em Teerão, a Magnífica. Perto do imponente antigo palácio do Xá, a dois passos de um jardim das mil e uma noites, saí do manto de neve para uma antecâmara agitada. Agarrava, como se fossem Os Lusíadas, uma comunicação, ou declaração, sobre os genocídios do século XX. Aí explicava uma coisa que - para o tempo e lugar - alguns acham impossível, e outros arriscada: a minha amizade simultânea pelo Irão, pêlos EUA, pela Palestina e por Israel.
Acrescentava a minha convicção sobre a historicidade, realidade e tragicidade do(s) holocausto(s), a necessidade de os compreender como existiram, de os reprimir quando existirem, de os prever e de os antecipar, para que não existam.
O texto foi censurado, depois de haver sido admitido. Tenho ainda a esperança, porém, de o ver publicado no país que, oficiosamente, tão bem me recebeu (a história completa encontra-se em http://www.ofuturopresente.blogspot.com).
Assim como Teerão é muito mais do que o seu quarteirão nazi, a verdade é que o Irão verdadeiro não é esta reunião de esotéricos racistas, promovida por um sector (e só um sector) do Estado, onde se podiam encontrar, como num museu de cera infernal, inúmeras abencerragens “negacionistas”, ou o imenso talento, descentrado e violento, do “Hitierista Maoista” Cláudio Mutti.
“O problema do holocausto é, na origem, europeu. Porque é que havemos de ser nós a despertá-lo do seu sono turbulento?”, perguntava-me o jovem Parvis, pegando num argumento comum do presidente Ahamadinejad e voltando-o ao contrário. Levou-me depois a um grupo de estudo (ligado à Frente de Participação Islâmica), onde se discutia um tema candente: a crise da “governação” iraniana, que leva a que um governo inicialmente popular (guiado por uma segunda escolha, atrás do actual mayor de Teerão, o senhor Qalibaf) tenha perdido, em pouco tempo, a confiança das massas, e sobretudo dos homens e mulheres comuns.
Esta terra espantosa tem imensas reservas naturais, mas faltam estruturas de refinação de petróleo. Tem um potencial turístico imenso, mas escasseiam investimentos. É um superpoder regional evidente, mas por enquanto só “uma potência em potência”.
Randa explica-me que as mulheres iranianas preferem cada vez mais ficar solteiras, e seguir uma carreira profissional, em vez de casar e ter de pedir autorização de trabalho ao marido. “É daqui que vai nascer a próxima revolução”, jura-me, enquanto ajeita o lenço para cobrir melhor as fontes de pecado: o cabelo e o colo.
Os primeiros ordenados dos jovens vão para operações estéticas ao nariz. Nos cafés, inventam-se soluções cibernéticas, há namoros furtivos (entre não possuidores de autorizações de enlace), e mostram-me música de protesto, trazida do Ocidente: quantos conhecem, nas nossas metrópoles, os geniais Die Kapitalist Pig e o Aldous Orwell Project, ou a “ópera-rock” sobre o 11 de Setembro, de Athena Reich?
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“Interesses comuns”
O Centro de Pesquisa Estratégica depende do Conselho da Expediência (presidido por Rafsanjani), uma espécie de corpo de consulta do Líder Supremo. Há outras unidades de reflexão e análise, dentro das forças armadas, hoje ligadas aos guardas da revolução por um comando comum, e que também dependem directamente do ayatollah Khamenei. Este assegura, no topo, a continuidade do modelo político-religioso, há quase 20 anos.
Tive por aqui discussões profícuas, onde me salientaram sempre os “interesses comuns” entre o Irão e o Ocidente, em três áreas: o Iraque, o Afeganistão e o Golfo Pérsico. A segurança de países e rotas é tão vital para Teerão como para os EUA ou a Europa. Talvez não se saiba mas, no caso afegão, logo a seguir ao 11 de Setembro, o Irão abriu o espaço aéreo à aviação americana, enviou centenas de comandos para guiar a força internacional antitalibã, forneceu mapas e coordenadas, e manteve uma guerra secreta contra a Al Qaeda.
Muita água correu, entretanto, debaixo das pontes.
in, SÁBADO - N.º 138 - 21 a 27 DE DEZEMBRO DE 2006, p.48