\ A VOZ PORTALEGRENSE: Cartas Abertas

sábado, janeiro 20, 2007

Cartas Abertas

CARTAS ABERTAS
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O que faz Aristides no meio deles?
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Lisboa (ou lá onde for), 15 de Janeiro de 2007
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Minha Cara Maria Elisa
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Recebi do meu querido amigo Aristides de Sousa Mendes uma carta para si, pelo que a remeto imediatamente. Não sei se sabe, mas o Dr. Aristides é um homem ocupado (na verdade, e aqui entre nós, ele leva uma vida dupla entre o paraíso católico e o paraíso judaico, uma vez que, depois de ter falecido, foi admitido nos dois), razão pela qual não perde tempo a contactar com simples mortais. Eu sou um dos poucos eleitos, e daí que a carta me tenha chegado às mãos.
Desde já a aviso que o Dr. Aristides está um pouco incomodado com a situação que lhe foi criada. E, se bem o conheço, quando ele, do alto sua excelente educação se diz «um pouco incomodado» deve ser lido «chateado como o raio» ou mesmo «fulo», expressões que nunca usaria. E o seguinte o teor da sua carta.
‘«Dona Maria Elisa:
Soube de um programa de TV onde surjo como um dos 10 portugueses mais ilustres de sempre. Poderá Vexa pensar que isso me honra - e sentir-me-ia honrado, sem dúvida, acaso fossem outras as circunstâncias -, mas tal não acontece. Na verdade, nunca gostei de más companhias - não me pergunte quais, pois não é de meu timbre descer a tais pormenores. Compreenderá, no entanto, a quem (ou aos quais) me refiro.
Aceite os meus cumprimentos,
Aristides de Sousa Mendes.»
Na verdade, cara Maria Elisa, eu subscrevo inteiramente a carta do meu amigo Aristides. Que raio faz uma pessoa de bem no meio dessa gente eleita para bons e ilustres portugueses? Um homem que morreu na miséria por ter salvo a vida a milhares de pessoas que não conhecia e aos quais nada o ligava, que foi o altruísmo e o espírito de humanidade em pessoa, que tem a ver com os restantes nove?
Analisemos os restantes:
Um - o D. Afonso Henriques - não só bateu na mãe como mentiu com quantos dentes tem na boca ao seu Rei e primo Afonso VII, além de ter inventado este rectângulo em que vivemos. Em caso normal seriam seis anos de prisão maior. Outro, o D. João II, matou com as próprias mãos, à facada, o Duque de Viseu no próprio palácio real. O Marquês de Pombal imaginou uma conspiração para mandar matar os Távoras (pai e filho) e o Duque de Aveiro; do Salazar já se sabe - Tarrafal, Peniche Aljube, por aí fora há mortos e feridos. Do Cunhal foi falta de oportunidade, senão também havia de certeza.
E só aqui vão cinco. Vejam, agora, os outros quatro.
Um, o Infante D. Henrique, diz-se que era um homossexual reprimido; organizou a conquista de Tânger e deixou lá o irmão D. Fernando, tão preso e tão só que ficou conhecido como Infante Santo (o que prova que o D. Henrique não era Santo nenhum). Outro, o Vasco da Gama, ainda organizou umas repressõezinhas na Índia, quando foi, brevemente, em 1524, o segundo Vice-Rei daquelas terras, já depois de Afonso de Albuquerque ter andado a cortar narizes e pernas ao pessoal.
Por último, há dois poetas, o que podia safar a coisa. Mas um é semi-invisual (repare como eu não disse semi-óptico), o Camões; e o outro tem problemas de personalidade, o Pessoa.
Ora, e sublinho o que lhe diz o meu amigo Dr. Aristides, que raio faz ele no meio desta gente?
Aceite os meus cumprimentos
Comendador Marques de Correia
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Que raio faz uma pessoa de bem no meio dessa gente?
in, ÚNICA 20 Janeiro 2007 Expresso p. 98