\ A VOZ PORTALEGRENSE: O Inferno da Luz II

domingo, janeiro 13, 2008

O Inferno da Luz II

Na vida, todos usamos os nossos disfarces para nos encaixarmos socialmente.
Num relvado de futebol, é impossível. Nesse ‘outro mundo’, o que parece é.
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O ‘processo Katsouranis’
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O futebol é, na essência, um processo emocional. Qualquer tentativa de racionalizar tudo o que se passa dentro de um relvado é quase uma missão contranatura. Vivemos, no entanto, tempos confusos. Uma simples imagem vende muito mais facilmente do que a profundeza do jogo. Quando Luisão esbracejou e vociferou contra Katsouranis, devido ao grego ter feito um mau passe a meio-campo, de imediato os grandes planos televisivos sentiram que estava ali um produto dinâmico do 'outro jogo', aquele que ignora o principal que tem uma bola pelo meio. Num ápice, os empurrões, insultos e gestos mútuos devoraram todos os outros problemas do 'mundo benfiquista', tacticamente sem imaginação, vivendo apenas de meros impulsos individuais. Todos submersos pela 'nuvem de fumo' Luisão-Katsouranis. Até não se falar mais deles.
Regressemos ao relvado. As equipas podem jogar em diferentes sistemas tácticos, preparar as estratégias mais elaboradas, que o bom futebol está sempre escondido nos melhores jogadores. O meio-campo é um bom local para perro dia que pisou a relva lusa, melhor a tem explicado possui um nome grego: Katsouranis. Um ano e meio no coração do futebol do Benfica. Em qualquer momento, quando o jogo se complica, olha-se para o grego e descobre-se um jogador que deixa o adepto mais tranquilo. Nunca foi expulso e em 44 jogos viu nove amarelos ditos normais. Se quisermos fazer um resumo com todos os passes falhados de Katsouranis durante todos os seus jogos no Benfica, ele não deve durar mais de meio minuto. É um garante de bom futebol. É hoje, apenas, o melhor médio e, mesmo quando é forçado a recuar no terreno, o melhor defesa-central do plantel. O Benfica arrisca-se a ficar sem ele. Não faz sentido.
A época passada, por esta altura, era dos jogadores mais influentes no onze. Defendia e atacava bem. Hoje está aprisionado na falta de ideias em que a equipa vive e o seu jogo perdeu o mesmo brilho e influência. As razões são óbvias e estão no plano táctico. Um local onde manda o treinador.
Na hora da substituição, Luisão colocou as mãos nas ancas, ficou parado, encarou o treinador, virou costas e foi para o balneário. Katsouranis viu a placa, saiu pelo centro do campo, cumprimentou o colega que o substituiu, passou junto ao banco para ver o resto do Jogo ao lado dos companheiros. Duas formas de reagir ao mesmo desafio emocional que o jogo lhes colocava naquele momento e a seguir vendia para todo o mundo.
Cada grupo terá os seus códigos de comportamento interno. Eles servem para se protegerem uns aos outros e, no final, dar solidez a esse conceito de grupo. Depois das acções e reacções no relvado e seu inquérito, Luisão regressou com as divisas de capitão reforçadas. E pouco importa que um resumo dos erros de Luisão tivesse uma duração muito superior ao de Katsouranis. Sem a seguir ninguém vociferar com ele. É difícil encontrar outra lógica para lá da kafquiana nas conclusões anunciadas do 'processo Katsouranis'
Na vida, no dia-a-dia, todos colocamos os nossos disfarces, mais ou menos forçados, para projectar uma determinada imagem e encaixarmos socialmente. Dentro de um relvado de futebol isso não é possível. O jogo mostra os jogadores tal e qual eles são. A todos os níveis. Neste cenário, os tempos criaram novos jogos de espelhos. No relvado e fora deles. Hoje, não se joga futebol. Hoje, produz-se futebol. Há uma diferença. E grande. Katsouranis caiu num desses alçapões.
Luís Freitas Lobo
in, Expresso, 12 de Janeiro de 2008, PRIMEIRO CADERNO 29