\ A VOZ PORTALEGRENSE: Mário Silva Freire

domingo, março 15, 2009

Mário Silva Freire

Separar as águas
.
(A respeito de uma exposição)
.
Está patente na Fundação Calouste Gulbenkian uma exposição sobre A Evolução de Darwin. Ela insere-se nas comemorações do bicentenário do nascimento de Charles Darwin e dos 150 anos da sua obra A Origem das Espécies.
Estas comemorações retomam o tema da origem da vida e do homem e põem em evidência as relações que os seres vivos, nas suas diferentes formas, têm manifestado ao longo dos tempos. Trata-se de um tema de discussão científica mas em que as concepções filosóficas e religiosas não ficam de fora.
Não tenho formação que me permita falar dos processos de vária ordem que teriam sido necessários conjugarem-se para a ocorrência da vida. No entanto, nesses processos costumam ser referidos, fundamentalmente, os astronómicos, os físicos e os químicos que teriam permitido a que elementos abióticos se organizassem e viessem a gerar seres vivos. Estes, depois, iriam, então, assumindo graus crescentes de complexidade quer nas suas estruturas, quer nas suas funções.
Ora, existe um maior consenso sobre os processos que conduziram à existência da multiplicidade de formas vivas, a partir de um ser primordial de natureza biológica, do que nos diferentes processos que teriam levado ao aparecimento dessa primeira entidade biológica formada a partir da matéria inanimada. E aquele maior consenso deve-se, fundamentalmente, a Darwin.
Ele propôs uma teoria que se manteve actual, mesmo à luz dos novos conhecimentos da Biologia Molecular. A teoria de Darwin (darwinismo) fundamenta-se em dois tipos de mecanismos: o do acaso, que tem lugar através da aleatoriedade das mutações, e o da selecção natural, pelo qual os indivíduos portadores de alguma vantagem genética têm maior possibilidade de sobreviver e procriar. Como pano de fundo, existiria o factor tempo. Significa isto que, pequenas alterações com êxito nos organismos, ao fim de milhões e milhões de anos, poderiam originar outros com características significativamente diferentes e mais complexas do que as dos seus antepassados.
Os fósseis são testemunhos de seres vivos que nos ajudam a construir uma árvore genealógica da vida. Por isso, exceptuando alguns fundamentalistas cristãos que teimam em levar à letra o que se diz na Bíblia sobre a formação do Mundo, hoje ninguém minimamente informado põe em causa a existência da evolução. A Bíblia não é um tratado de ciência mas, apenas, um livro de carácter religioso.
Ora, as ideias evolucionistas impregnaram de tal modo a sociedade contemporânea que muitos prescindem da existência de Deus, uma vez que encontram explicações, no âmbito da Ciência e, em especial, no darwinismo, que lhes permitem ter as respostas para as suas grandes interrogações.
No entanto, estas continuam a colocar-se!
Assim, como explicar que, a partir da grande explosão do Big Bang, em que uma infinidade de mundos se abriram, tivesse aparecido um estreitíssimo carreiro que conduz aquilo que hoje existe, mas se tivessem ocorrido pequenas alterações nas constantes naturais, tais como na gravidade, na inclinação da eclíptica, na temperatura, outros mundos completamente diferentes teriam aparecido?
Como se deu o salto a partir de um conjunto molecular sem vida para um ser capaz de respirar, de se reproduzir, de assimilar, isto é, de transformar as substâncias estranhas na sua própria substância, como o faz qualquer ser vivo?
Que caminhos encontrou o acaso para sintetizar as múltiplas enzimas capazes de presidirem, organizadamente, às infindáveis reacções químicas que têm lugar numa simples célula?
Como é que a selecção natural e o acaso conseguem, a partir dessa entidade longínqua do Pré-câmbrico, que não chega ainda a ser uma bactéria, possa originar alguém capaz de ter consciência de si e dos outros, de possuir sentimentos, de resolver problemas cognitivos complexos, de tomar decisões e de criar?
Tomando como certo o Princípio da Parcimónia de que a explicação de qualquer fenómeno deve assumir apenas as premissas estritamente necessárias para essa explicação, excluindo todas as outras que se multiplicam para além da necessidade, terá que se ser prudente nas respostas a estas e outras questões. Assim, se no plano científico elas puderem ter uma resposta, esta não deverá ser buscada na filosofia ou na religião.

Penso que a Igreja tem sido prudente em não tentar provar a existência de Deus através de métodos científicos. Deus não é um tapa-buracos para a nossa ignorância. Mas, por outro lado, não se estará a pedir a uma teoria da evolução – o darwinismo (e outras teorias da evolução existem!) que vá além daquilo que ela pode dar, tirando como ilação a prescindibilidade de Deus?
Por mim, estou de acordo com Carlos Fiolhais, professor de Física na Universidade de Coimbra, quando diz: “religião e ciência não jogam uma contra a outra; elas, simplesmente, actuam em campeonatos diferentes!”
Mário Freire