\ A VOZ PORTALEGRENSE: Mário Silva Freire

sábado, dezembro 25, 2010

Mário Silva Freire

PARA UM DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO

A causa remota da crise (1)

Estamos mergulhados numa crise de cariz social e económica e, tudo aponta, ela estará para durar. Muitos dos seus sintomas estão a ser sentidos por muitos, principalmente pelos mais débeis do ponto de vista financeiro. O aumento do desemprego, o aumento da pobreza, a diminuição dos salários e a diminuição dos apoios sociais são algumas das situações que estão a atingir uma parte da população.
Explicações para estes factos não têm faltado, desde a feroz competitividade existente a nível global com a consequente racionalização e automatização dos processos de trabalho, conduzindo à extinção de muitas organizações, passando por especulações financeiras visando o lucro rápido e fácil, até ao crescente agravamento das dívidas do Estado, das empresas e das pessoas.
Ora, este tipo de razões, que tem a ver com aspectos estruturais e conjunturais da sociedade e do País, poderia apelidar-se, de acordo com a designação utilizada pelos membros da Academia Pontifícia das Ciências Sociais, como de natureza técnica. Mas a crise, ainda de acordo com aquela Academia, tem contornos mais profundos e mais remotos. Eles filiam-se em aspectos de ordem cultural e espiritual. É no homem, pois, na sua cultura, com as suas sombras, e na sua espiritualidade que reside a crise.
A encíclica Caritas in veritate pode, porém, constituir-se num instrumento que ajuda a ver tais sombras que impregnam a cultura contemporânea e contribuir para lhe dar uma visão mais autêntica da verdade. E diz-se mais autêntica porque, nos dias de hoje, parece não existir critérios seguros para distinguir o bem do mal, o justo do injusto. Tudo depende das circunstâncias e dos interesses em jogo. Assim, um juízo moral poderá ser verdadeiro quando os membros de uma sociedade acreditam que ele é verdadeiro; no entanto, esse juízo será falso quando esses mesmos membros acreditam na sua falsidade. Enfim, tudo seria subjectivo e relativo.
É com base neste relativismo moral, em nome da tolerância, que se toleram todas as posições. Decorre daí que, sem princípios universais morais, se torna difícil afirmar o que está certo ou errado, o que é bom ou mau. Por vezes, basta uma lei para transformar um acto moralmente reprovável num outro de grande modernidade e, por isso, de fácil aceitação. Ora, segundo a doutrina social da Igreja expressa na Caritas in veritate, o cerne da crise que estamos a viver enraíza nesse relativismo que embebe a cultura e o espírito contemporâneos.
Mário Freire
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(1) in, FONTE NOVA, n.º 1804, terça-feira 21 de Dezembro de 2010