\ A VOZ PORTALEGRENSE: Luís Filipe Meira

terça-feira, dezembro 11, 2012

Luís Filipe Meira

A Música como Arte Suprema
*
Cultivo o prazer da música há dezenas de anos. Ouço música de manhã à noite e apesar de não conhecer uma nota que seja, a música é para mim uma verdadeira paixão. Sou um melómano inveterado, que se diverte diariamente em descobrir novos nomes e em explorar, como ouvinte, as diversas vertentes da música. Com a honrosa exceção da chamada música clássica – situação que espero resolver no curto prazo – ouço e disfruto dos mais variados géneros de música. A música é para mim a arte suprema.
Quero com esta introdução dizer que na música já muito pouca coisa me surpreende verdadeiramente. Posso ficar emocionado, entusiasmado, desiludido, frustrado ou mesmo zangado com a audição de um disco, com a prestação de um artista, com a organização de um concerto ou de um festival. Mas, surpreendido? Não será fácil. Mas acontece e ainda bem…
E aconteceu, no último sábado no CAEP, no concerto dos Danças Ocultas. Uma feliz e magnífica surpresa. Reconheço a minha culpa em nunca ter dado a devida relevância à música deste quarteto de acordeões que nasceu há muitos anos atrás. Curiosamente, dois dos primeiros ídolos que tive, quando comecei a ouvir música, foram Felipe de Brito e Eugénia Lima, dois acordeonistas de sucesso no início dos anos sessenta. Mas as guitarras dos Beatles, dos Shadows e dos Stones, fizeram-me esquecer o acordeão, esse instrumento tão popular que foi concebido na primeira metade do século 19, tendo vindo a ser aperfeiçoado por construtores europeus, nunca perdendo o seu próprio espaço na evolução da música. Acordeão que sempre teve uma forte identificação com a música de raiz mais popular, apesar de ser instrumento de imensas capacidades.
E é aqui que entram os Danças Ocultas. Corria o ano de 1989, quando quatro músicos ligados ao acordeão se juntaram num projeto que, para além do desenvolvimento das suas próprias capacidades como músicos, tinha como objetivo primordial a tentativa de afastar o instrumento do folclore tradicional, respeitando como eles próprios diziam, “ a vontade da concertina”, mas fazendo para ela uma música nova. O que este quarteto pretendia era mostrar a outra face do acordeão, dando-lhe outra dignidade e demonstrar as infindáveis capacidades do instrumento, no fundo dar-lhe dimensão.
Nasciam assim os Danças Ocultas, com um primeiro disco em 1996 com o mesmo nome. A evolução continuou de forma muito positiva e interessante, o mercado abriu-se e a publicação de “AR”, o segundo disco, aconteceu dois anos depois. Neste disco o grupo mostrava princípios muito próprios, algumas inovações técnicas e um novo instrumento, uma concertina-baixo concebida e construída para o efeito. Com este segundo disco o projeto ganhou outro fôlego e começou a rasgar novos horizontes, a ultrapassar barreiras, abrindo-se a colaborações com outra vertentes artísticas. O projeto, já de si carregado de originalidade, tornou-se cada vez mais sólido, mais coeso e as solicitações para espetáculos e outras colaborações começaram a chegar de todo o lado. Mais dois discos foram gravados. As atuações em prestigiados festivais e em palcos reputados um pouco por todo o mundo, sucederam-se. Chegaria também o momento certo para a edição de uma coletânea, que reunisse temas dos quatro discos anteriores. “Alento” foi o nome escolhido.
E foi também no âmbito desta compilação que o grupo organizou uma extensa digressão, que ao longo de dois anos os levou a 14 países e a 60 concertos. Digressão, cuja última fase começou no dia 29 de Novembro no Porto, passando por Aveiro, Lisboa, Coimbra e Sines tendo encerrado no último sábado, aqui em Portalegre no CAEP.
Concerto que, como referi atrás, me surpreendeu de forma tão intensa, que me levou a preparar este texto em formato retrospetivo para que os leitores fiquem motivados para a audição da música tão original e de grande qualidade deste grupo que, no passado sábado, escreveu um importante capítulo na história recente, mas já deveras interessante do Centro de Artes e Espetáculos de Portalegre.
Como vai sendo hábito, não estava muita gente na sala, mas por vezes neste tipo de concertos de especificidades várias e complexas, há vantagens em que o público vá preparado para confrontos dificeis, pois assim a comunhão é mais intensa. E aqui não resisto e para me ajudar a definir o concerto, vou recorrer ao texto de apresentação de “Tarab”, o quarto álbum dos Danças Ocultas. “Tarab” é um termo árabe para designar o estado de elevação, celebração e comunhão espiritual – um êxtase – que é atingido pelo executante e pelo ouvinte durante um ato musical bem conseguido: “Tarab” é o objetivo da música e dos esforços de quem a pratica.
Posto isto, não haverá muito mais para dizer, pois foi exatamente o que se passou no concerto do CAEP. Foi essa empatia entre músicos e a pouco mais de uma centena de espetadores que funcionou na perfeição, elevando o concerto ao quadro de honra do CAEP, contribuindo para a forte convicção que a música é a arte suprema.
Luís Filipe Meira